segunda-feira, 28 de março de 2011

Aula Cronometrada! Indignação da Professora sobre a máteria.

Resposta à revista Veja: “Aula Cronometrada”


Sou professora do estado e fiquei indignada com a reportagem da jornalista Roberta de Abreu Lima “Aula Cronometrada”. É com grande pesar que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do mau desempenho escolar com as verdadeiras razões que geram este panorama desalentador.

Não há necessidade de cronômetro e nem de especialista para diagnosticar as falhas da educação. Que pais de famílias oriundas da pobreza trabalham tanto que não têm como acompanhar os filhos em suas atividades escolares e, pior, em orientá-los para a vida?Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas, destruídas pela ignorância e violência-trazida dentro das escolas brasileiras. Esta na hora dos professores se rebelarem contra as acusações que lhes são impostas. Os problemas da sociedade devem ser resolvidos pela sociedade e não somente pela escola.

Não gosto de comparar épocas. Mas penso na minha infância, na qual pai e mãe, tios e avós estavam presentes- quando era inadmissível faltar com o respeito aos mais velhos- quando mais aos professores- e não cumprir as obrigações, fossem escolares ou simplesmente caseiras, faço comparações com os alunos de hoje “repletos de estímulos”. Estimulados com quê?De passar o dia na rua, de ficar em frente ao computador até altas horas da noite, ou, o que é ainda pior, envolvido nas drogas. Sem disciplina, seguem perdidos na vida, procurando amor, atenção, orientação e disciplina. Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é cronometrado quando estão cansados. Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm de escolher entre ir ao banheiro ou tomar às pressas um cafezinho. Todos profissionais têm direito ao vale alimentação, professores tem que se sujeitar a um lanchinho, paga do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40 horas semanais. E a saúde? É a única profissão que eu conheço que embora apresentado médico tenha que repor aulas. Plano de saúde? Muito precário. Por isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área.

Só permanecem os que realmente gostam de ensinar, os que estão se aposentado e estão perplexos com as mudanças no ensino nos últimos tempos que aguardam uma chance de “cair fora”. “Todos devem ter vocação para Madre Teresa de Calcutá, porque por mais que se esforcem em ministrar boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los de “vaca,” puta”, ”gordos”, ”velhos”, entre outras coisas. Como isso é motivante! E temos ainda que ter força para motivar. Temos noticias de agressões a professores por alunos. Futuramente, esses mesmo alunos, talvez agridam sues pais e familiares.

Lembro de um antigo, na revista Veja de Claudio de Moura Castro, que dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus cidadãos ultrapassa certo limite. Acho que esse grau já ultrapassou. Chega de passar alunos que não merecem. Assim, nunca vão saber por que devem estudar e comportar-se na sala de aula; se passam sem estudar mesmo, com indisciplina... E isso é um crime! Vão passando serie, sem saberem escrever, nem fazer contas simples. Depois a sociedade os excluirá, porque não há de passar a mão na cabeça. Ela é cruel e eles já serão adultos.

Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os professores são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante é porque há disciplina. É isso que precisamos, e não de cronômetros. Lembrando: o professor estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos, capacitações que são realizadas, preferencialmente aos sábados. Portanto,a grande maioria dos professores esta constantemente estudando e aprimorando-se. Em vez de cronômetros, precisamos de carteiras escolares, livros, materiais, quadras esportivas cobertas (um luxo para a grande maioria de nossas escolas), e de lousas, sim, em melhores condições e em maior quantidade.Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeira possuem para os alunos sentarem. Essa é a nossa realidade! Precisamos urgentemente de educação para que tudo que for fornecido ao aluno não seja destruído por ele mesmo. Em plena era digital, os professores ainda são obrigados a preencher à mão os tais livros de chamada – sem erros, nem borrões e ainda assim se ouve falar em cronômetros. Francamente!!! Rememorando: o que tínhamos nós, os mais velhos, como estímulo há uns anos atrás? Simplesmente responsabilidade e alegria. E a esperança do que, se estudássemos, teríamos uma profissão, seriamos realizados na vida. Hoje, os jovens constatam que se venderem drogas vão ganhar mais. Para quê estudo? Quem, dos mais velhos, não se lembra da emoção de brincar com os amigos, de ir aos piqueniques, subir em árvores? Nas aulas, havia respeito, amor pela pátria. Cantávamos o hino nacional diariamente. Sabíamos ler, escrever e fazer contas com fluência. Se não soubéssemos não iríamos para a 5ª série. Precisávamos passar pelo terrível, mas eficiente, exame de admissão. E tínhamos motivação para isso.

Hoje, os professores “incapazes dão aulas na lousa, levam filmes, trabalham com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para leitura em sala de aula, levam alunos à biblioteca e a outros locais educativos e , em algumas escolas públicas, quando a renda dos pais permite, até passeios interessantes, planejados minuciosamente, como ir ao Beto Carrero. E, mesmo assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além disso, esses professores “incapazes”, elaboram atividades escolares como provas, planejamentos, correções nos fins de semana, tudo sem remuneração.

Passou da hora de todos abrirem os olhos e fazerem algo para evitar uma calamidade futuramente. Os professores não são culpados de uma sociedade incivilizada e de banditismo. Finalmente, se os professores até agora não serem despreparados e “incapazes” de prender a atenção do aluno com aulas motivadoras é porque simplesmente não tiveram tempo. Responder a essa reportagem custou-me metade do meu domingo, e duas turmas sem provas corrigidas.

Professora Nelma Pimenta Cruz,

Mestra em Letras Leitura e cognição –Trabalha na Escola Estadual Mesquina - no Estado do Paraná.

Para ler a matéria da VEJA a que se refere essa carta acesse o link: HTTP://veja.abril.com.br/230610/aula-cronometrada-p-122.shtml

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